Hoje vou contar para vocês um pouquinho sobre como é fazer intercâmbio. Mas antes de tudo, precisamos entender o que exatamente é um programa de intercâmbio.
O intercâmbio originalmente surgiu como um programa destinado a possibilitar que dois estudantes de países diferentes “trocassem” de lugar, para vivenciar outra cultura. Atualmente, o intercâmbio tornou-se muito mais abrangente e não necessariamente requer essa “troca” entre duas pessoas. Portanto, toda viagem destinada à aquisição de conhecimentos sobre outro idioma e/ou cultura por meio da vivência em outro país pode ser considerada um intercâmbio.
Os motivos para fazer um intercâmbio podem incluir:
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aprender ou aperfeiçoar outro idioma;
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aprender sobre outras culturas e povos;
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unir lazer ao aprendizado durante uma viagem ao exterior;
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aperfeiçoar conhecimentos acadêmicos ou ampliar experiências profissionais;
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adquirir experiências que valorizem o currículo;
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conhecer pessoas novas;
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se tornar mais independente;
Mas como é fazer um intercâmbio? Eu já tive duas experiências de intercâmbio, além de ter feito dois mestrados no exterior. Aqui, vou me focar nos programas de intercâmbio que fiz durante minha adolescência, que acredito fazerem mais jus ao tópico deste post. Só peço de antemão desculpas pela qualidade das fotos: algumas delas têm quase 20 anos e são as únicas “digitalizadas” que eu tenho.
1) Meu primeiro intercâmbio: Oxford, Inglaterra
Fiz meu primeiro intercâmbio aos 13 anos de idade. Sim, eu era bastante jovem e essa não é uma idade muito comum para se fazer um intercâmbio. Mas na época meus pais tinham uma filial do Yázigi, uma conhecida escola de idiomas que oferecia vários programas de intercâmbio. E eles quiseram me dar essa oportunidade para que eu avançasse no aprendizado do inglês e ampliasse meus horizontes.
Assim, embarquei pela primeira vez sozinha para outro país. A escolha pela Inglaterra foi minha. Eu já tinha ido aos EUA e desde muito nova tinha o desejo de conhecer vários países. Lembro nitidamente da minha chegada em Oxford, quando minha “família” anfitriã foi me buscar. A primeira coisa que falei foi que não sabia falar inglês muito bem e que estava insegura com o idioma. Eles riram. Aos poucos, fui ficando mais confiante.
Como já comentei, esse programa de intercâmbio era oferecido pelo Yázigi e consistia em um grupo de estudantes brasileiros que iam para outro país viver com famílias anfitriãs locais. O grupo era coordenado por uma professora brasileira, que monitorava e cuidava dos alunos. E a rotina era basicamente 3h de aula por dia e passeios no restante do tempo. Além disso, ao nos hospedarmos com famílias anfitriãs, tínhamos uma chance de fazer uma imersão cultural, aprendendo sobre os costumes locais.
Esse intercâmbio tinha um mês de duração, sendo 3 semanas na Inglaterra e 1 semana na França, Bélgica e Holanda. Durante as semanas em que fiquei na Inglaterra, pude praticar muito o inglês, o que foi fundamental para que eu adquirisse fluência no idioma. Além disso, conheci outras cidades da Inglaterra, como Stratford-upon-Avon, Londres e Costswolds. Visitei museus, vi apresentações culturais, comi comidas estranhas e conheci um mundo completamente novo.
Foi certamente uma experiência incrível e inesquecível. E mesmo com apenas 13 anos (eu era a mais nova do grupo de estudantes), já pude perceber que ter esse tipo de experiência era algo que me alimentava a alma.
2) Meu segundo intercâmbio: Montgomery/NY, EUA
O segundo intercâmbio que fiz foi o conhecido intercâmbio de jovens do Rotary Internacional. Eu tinha então 17 anos de idade e dessa vez me preparava para passar um ano inteiro longe de casa.
O intercâmbio de jovens do Rotary é talvez o programa de intercâmbio mais antigo do mundo. Existe desde 1927 e tem como objetivo promover a paz através do conhecimento de outras culturas. Hoje, o programa acontece em mais de 100 países e envolve jovens de 15 a 19 anos de idade.
Sendo um programa já antigo e bastante bem estruturado, considero o intercâmbio do Rotary um dos programas mais seguros que existem. Isso porque o programa possui regras que visam garantir a segurança dos estudantes e o sucesso de suas experiências. Por isso, para participar do programa é preciso passar por um processo seletivo e ser escolhido por um clube Rotary que atuará como clube “patrocinador”. Neste clube, o estudante terá um orientador cuja função é prepará-lo para a experiência e apoiá-lo com qualquer coisa que precise. Além disso, o estudante precisa ser aceito por um clube Rotary “anfitrião”, em outro país. Também no clube anfitrião há um orientador destinado a prestar apoio ao estudante, sobretudo em sua adaptação à cultura local.
Além disso, existem os presidentes do programa de intercâmbio no país de origem e no de destino, que são responsáveis por organizar os programas e garantir que eles fluam da maneira correta. As famílias anfitriãs também são selecionadas e via de regra devem ser famílias rotarianas, que compartilhem dos valores e da visão da organização. A imersão na cultura local é tão importante para o Rotary que os intercambistas devem, via de regra, trocar de família anfitriã a cada 3 meses. Isso é para que os estudantes tenham uma experiência mais ampla e para que vivenciem a cultura local a partir de pontos de vista diferentes.
Hoje, o Rotary oferece intercâmbios de longa duração, que cobrem um ano letivo, e de curta duração, que pode ir de alguns dias até três meses. Quanto aos custos, no intercâmbio do Rotary a hospedagem (em casas de famílias) e as mensalidades escolares são cobertas. O intercambista, portanto, paga somente pela passagem aérea (ida e volta), seguro viagem, vistos e gastos adicionais durante o programa, como excursões.
Mas vamos à minha experiência. Quando me candidatei ao intercâmbio do Rotary, eu queria ir para um país bem diferente do Brasil. Meu clube patrocinador, contudo, queria abrir um canal de intercâmbio com um clube do estado de Nova York, nos EUA, e como gostou da minha candidatura, resolveu me enviar para lá para que eu fizesse essa ponte inicial. Confesso que fiquei meio decepcionada à princípio. Mas depois percebi que foi a melhor opção para mim, pois lidar com o choque cultural quando se tem 17 anos não é nada fácil. E se eu tivesse ido para um país muito diferente do Brasil, esse impacto inicial teria sido muito mais forte e muito mais difícil de superar.
Na época em que deixei o Brasil para viver um ano fora, eu estava no auge da minha adolescência. Tinha um amplo grupo de amigos na minha cidade, já tinha uma vida social ativa e estava indo muito bem na escola. A minha expectativa era de que eu seguiria o mesmo ritmo de vida nos EUA, mas obviamente não foi bem assim. Lá, eu não podia ir em festas ou clubes noturnos (algo que era comum na minha cidade natal). Também não podia ficar fora até tarde (o toque de recolher era entre 22h e 23h). E nem pensar em namorar! O Rotary proibia terminantemente que os intercambistas se envolvessem em qualquer relacionamento amoroso, por razões óbvias.
Além disso, a escola era super puxada. Estudei em escola pública, que ainda assim era muito mais exigente que a escola particular que eu frequentava no Brasil. Como eu ia validar o ano letivo cursado nos EUA quando voltasse ao Brasil, precisei escolher matérias semelhantes às exigidas pelo currículo brasileiro (nos EUA, as matérias são eletivas, com algumas exceções). Isso incluiu ter que escolher física, matemática e história dos EUA e mundial na minha grade curricular. Além disso, eu precisava fazer algumas matérias obrigatórias, como literatura inglesa, governo e economia. E como eu estava no estado de Nova York, havia exigências adicionais: na época, você poderia se formar com um diploma básico ou um mais abrangente, o que requeria que você passasse em exames avançados adicionais. Eu optei por adquirir o diploma mais abrangente e por isso tive que fazer exames extras de espanhol, matemática, inglês e história.
Não preciso dizer que meu começo foi bastante difícil. Muito embora eu já falasse inglês bem, lembro-me de levar 3h para conseguir ler um texto de física de 3 páginas. E os deveres de casa? Diferentemente do Brasil, eles eram diários e para todas as matérias. E quem não fizesse, passava vergonha no dia seguinte, pois todos eram convidados a contribuir com a solução das tarefas (as salas de aula lá tinham muito menos alunos do que no Brasil: eram no máximo 15-20 estudantes por sala).
Portanto, fui de uma realidade de sair com meus amigos, ir bem na escola sem muito esforço e ter certa liberdade para passar meus dias estudando e meus finais de semana socializando apenas com a família anfitriã, sem muito espaço para ir e vir como eu gostaria. Obviamente, no começo foi difícil, mas aos poucos fui me acostumando e me encontrando naquele novo contexto.
Comecei a ir muito bem na escola e a conhecer melhor meus colegas. Logo fiz amizades, tanto com outros intercambistas, como com os locais. Passei a fazer parte de uma turma animada, que embora não socializasse muito nos finais de semana, sabia se divertir mesmo na escola. Também fui inserida em um programa cultural, que me permitia ir com um grupo seleto de estudantes do estado para peças, musicais, museus e exposições de arte na cidade de Nova York. Ganhei prêmio de cidadania e de excelência acadêmica, inclusive em inglês! Além disso, fazia muitos passeios e atividades culturais com minhas famílias anfitriãs, que me receberam de braços abertos e me deram todo o apoio que eu precisava. Integrei-me, também, com o grupo de intercambistas do Rotary que estavam no estado de NY.
O Rotary evita deixar mais de um estudante por cidade, justamente para que os intercambistas aprendam a interagir com a comunidade local. Mas em contrapartida, oportuniza encontros periódicos entre os intercambistas, para que eles possam ter contatos com pessoas de outros países também. No meu grupo havia adolescentes da Dinamarca, Suécia, Alemanha, Ecuador, Argentina, Japão, Filipinas, Suíça, França, Tailândia, Albânia e Bulgária. E nós imediatamente ficamos muito amigos (afinal, estávamos todos no mesmo barco e por isso a empatia era grande entre nós).
Foi, seguramente, uma das experiências mais ricas e bem sucedidas que já vivenciei. E também uma das mais difíceis. Ficar longe da família e dos amigos é um desafio, ainda mais nessa idade. Especialmente no começo, mas mesmo durante o intercâmbio, há dias em que a saudade bate e a tristeza vem com força (há até um termo para isso: home sickness). Por isso, embora eu recomende muito que as pessoas façam intercâmbio, reconheço que não é para todo mundo. É preciso ter pelo menos alguma estabilidade emocional e ter muita clareza dos seus objetivos para ter uma experiência positiva. Afinal, se você vai para outro país para ficar só no meio de brasileiros, falando português e achando que tudo no Brasil é melhor, é melhor ficar em casa.
Para encarar um intercâmbio, seja ele qual for, é preciso ser realista: entender que a experiência será desafiadora; que haverá momentos de solidão e momentos em que você pensará em desistir de tudo; que você estranhará alguns costumes e algumas pessoas; e que seu período de adaptação levará certo tempo. Se você aceitar isso, as chances de sucesso serão muito maiores.
3) Questões importantes a considerar
Hoje, com a tecnologia é muito mais fácil se manter conectado e próximo de pessoas que estão fisicamente longe. Isso pode ajudar quem está em um intercâmbio a lidar com a saudade. Mas também pode ser uma armadilha: não adianta ir para outro país e ficar o tempo todo ligado na internet falando com sua família e amigos. Quem opta por fazer um intercâmbio deve lembrar-se que escolheu estar em outro país para vivenciar outra cultura e costumes. Por isso, é preciso se desligar um pouco da internet e viver a experiência internacional.
O mesmo vale para as companhias que se escolhe durante um intercâmbio. Quando estamos longe de casa e daquilo que nos é comum, é natural que nos aproximemos daqueles que compartilham de algo conosco. Mas se você só socializa com seus conterrâneos ou com outros intercambistas, perderá uma grande oportunidade de fazer uma real imersão na cultura local e de se relacionar com as pessoas do seu país de destino. Eu quase caí nessa tentação durante o meu intercâmbio nos EUA: conheci uma intercambista da Alemanha na minha escola e instantaneamente viramos melhores amigas. Durante 6 meses, fazíamos tudo juntas, dentro e fora da escola. Mas ela foi embora após 6 meses e eu me vi novamente sozinha, sem conhecer ninguém. Isso, contudo, me forçou a fazer novas amizades e foi aí que comecei a socializar com as pessoas na minha escola. Fiz vários amigos e acabei fazendo parte de uma turma super bacana.
Outra questão relevante é o choque cultural reverso. Todo mundo sabe que quando você vai rumo ao desconhecido, há um impacto que requer um período de adaptação. Mas pouca gente sabe que retornar para o que lhe é familiar após um período fora vivendo experiências tão intensas é ainda mais impactante. Isso acontece porque a experiência de um intercambio muda você: a sua forma de ver o mundo e de se perceber nele sofre uma alteração significativa. E muitas vezes quando você retorna para o seu país de origem, você percebe que você mudou, mas que as coisas e as pessoas permaneceram de certa forma iguais. Por isso é preciso ter em mente que o seu retorno provavelmente será tão difícil quanto (ou talvez mais difícil que) a sua partida. Mas não se preocupe: ter consciência disso é o primeiro passo para ter uma transição mais suave.
Além das questões sociais e emocionais, há também questões econômicas a se considerar. Fazer um intercâmbio pode custar caro, em especial se você optar por empresas privadas. Elas em geral cobram um valor alto do estudante e às vezes até oferecem para as famílias anfitriãs uma contribuição monetária. Isso pode ser um problema, pois às vezes as famílias podem se candidatar para receber os estudantes pelo dinheiro e não pela experiência em si. Por isso eu prefiro intercâmbios com organizações como o Rotary. Além de não cobrarem pela hospedagem e escola dos estudantes, as família anfitriãs são totalmente voluntárias: elas aderem ao programa por que querem, porque veem valor nessa experiência cultural. O Rotary também costuma oferecer uma mesada para os intercambistas, que é geralmente paga pelos membros do clube rotário que o/a receberá. O valor é baixo, mas ajuda já que serve para os “extras”, como por exemplo uma ida ao cinema, um lanche etc.
Mas o mais importante a se considerar é a questão da segurança. Principalmente quando se trata de um intercâmbio de jovens, é fundamental que o estudante tome cuidados redobrados para não se colocar em situação de vulnerabilidade. Consumir álcool e outras drogas, socializar com pessoas que se envolvam em atividades arriscadas ou ilícitas, e frequentar lugares que não transmitam segurança são coisas que podem ameaçar a sua segurança e arruinar a sua experiência. Claro que se você é um adolescente, a sua noção de risco é um pouco mais…flexível. Eu, por exemplo, me meti numa Harley Davidson que ia a 200km/hora porque eu queria saber como era andar em uma (desculpa aí, pai e mãe!). O piloto chegou a ser parado pela polícia comigo na garupa, mas só levou uma advertência. Também me meti a esquiar na neve e logo já estava descendo as pistas mais íngremes. Cheguei até a cair de um teleférico, mas por sorte ele estava no início da subida e não me machuquei.
Enfim, é importante lembrar que além da sua própria segurança, se colocar em situações de risco podem também fazer com que você seja expulso do programa de intercâmbio e do país. Vi colegas que estavam consumindo drogas serem expulsos das suas famílias anfitriãs e vi outros que se meteram em outras situações complicadas serem presos e/ou mandados de volta para o seu país. É preciso, portanto, saber e respeitar tanto as leis do país como as regras do programa de intercâmbio.
Acima de tudo, é importante entender que quem faz um intercâmbio é um representante do seu país de origem no exterior. As pessoas tendem a generalizar, portanto tudo o que você fizer será interpretado como algo que os brasileiros fazem ou algo atrelado à nossa cultura. Esse senso de responsabilidade é fundamental, pois acabamos sendo como que “embaixadores” informais do nosso país. E devemos, portanto, nos comportar de forma ainda mais cuidadosa quando estamos fora.
4) Pronto/a para um intercâmbio?
O objetivo deste post foi contar um pouco sobre como é fazer um intercâmbio, claro que a partir das experiências pessoais que eu tive. Não significa que a sua experiência será igual, mas é importante levar em consideração alguns dos pontos aqui mencionados, para que você tenha uma vivência positiva e inesquecível.
E então, pronto para buscar um intercâmbio para você? Que tipo de intercâmbio você gostaria de fazer e qual o seu país de interesse? Comente e compartilhe!
Até a próxima!